TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA de Gália Foro de Gália Vara Única Av. São José, 431, Galia – SP – cep 17450-000 Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min 1000481-64.2019.8.26.0200 – lauda SENTENÇA Processo Digital nº: 1000481-64.2019.8.26.0200 Classe – Assunto Procedimento Comum Cível – Fornecimento de medicamentos Requerente: Elza Aparecida Ferrari de Souza Requerido: PREFEITURA MUNICIPAL DE GÁLIA e outro Prioridade Idoso Tramitação prioritária Justiça Gratuita Juiz(a) de Direito: Dr(a). HEITOR MOREIRA DE OLIVEIRA Vistos. ELZA APARECIDA FERRARI DE SOUZA ingressou com a presente ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência para fornecimento de medicamento em face de ESTADO DE SÃO PAULO e MUNICÍPIO DE GÁLIA/SP. Em síntese, aduz que é portadora da patologia Mieloma Múltiplo e Neoplasias Malignas de Plasmócitos (CID10 – C90), bem como se encontra na 6ª (sexta) sessão de quimioterapia para o tratamento. Informa que para dar continuidade no tratamento da enfermidade, faz-se necessário o uso do medicamento Bortezomibe, que está incluso no novo protocolo Cybord, vez que possui intolerância ao uso do protocolo VAD, conforme prescrição médica. Informa que cada dose do medicamento tem custo em torno de R$ 1.315,00 (hum mil, trezentos e quinze reais) a R$ 1.220,00 (hum mil, duzentos e vinte reais) sendo genérico, e R$ 3.800,00 (três mil e oitocenots reais) a R$ 4.980,00 (quatro mil novecentos e oitenta reais) não sendo genérico. Assim, solicitou o tratamento médico para as rés administrativamente, o qual foi negado, sob o argumento de que não possuem condições financeiras para arcarem com tal medicamento. Por tais razões, requer em tutela de urgência que as rés forneçam o medicamento Bortezomibe, na quantia de 32 (trinta e dois) frascos, conforme determinado no receituário, requerendo, ao final, a estabilização da tutela. A Decisão de fls. 67/69 deferiu a tutela de urgência. O Estado de São Paulo contestou o feito às fls. 98/114. Preliminarmente, arguiu a incompetência do Estado para figurar no polo passivo, visto que a competência seria da União para o fornecimento de medicamento de alto custo. Também impugnou o valor da causa, sendo que o valor a ser fixado é de R$ 1.000,00 (hum mil reais) exclusivamente para fins de alçada, dada a gratuidade de fornecimento de tratamento oferecida pelo SUS. No mérito, aduz que o Sistema Único de Saúde oferece tratamento completo e integral para todos os tipos de câncer e os medicamentos necessários para tanto em centros de referência de alta complexidade em oncologia devidamente credenciados, sendo que os tratamentos oferecidos na rede pública é suficiente para atender às necessidades de tratamento da autora. Ao final, requer a improcedência da ação. Transcorreu in albis o prazo para contestação do Município de Gália (fl. 132). Réplica às fls. 177/200. Laudo Técnico às fls. 216/217 acerca da capacidade financeira da autora. Parecer final do Ministério Público às fls. 243/245. Sobreveio pedido de desistência em relação ao Município de Gália (fls. 246/247). O Município de Gália manifestou favoravelmente à desistência da ação (fl. 253). Os autos vieram-me conclusos. É o relatório. DECIDO. Preliminarmente, referente a ilegitimidade passiva do Estado de São Paulo na ação, tal alegação não merece guarida. De fato, não se olvida que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos é solidária entre os entes federados. Dessa forma, fica assegurado à requerente o ingresso da ação em face de qualquer dos entes, ou de todos, não se tratando de demanda exclusiva perante e União. Nesse sentido, no julgamento do RE nº 885.178-SE, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 06/03/2015, o Excelso Supremo Tribunal Federal editou tese no Tema nº 793 da repercussão geral, a saber: “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”. Contudo, o reconhecimento da solidariedade da obrigação não possibilita ao ente público que ocupa o polo passivo da ação procrastinar o feito pelo requerimento de inclusão de outros entes. Nesse sentido, no julgamento do REsp nº 1.203.244-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 09/04/2014, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça editou tese no Tema nº 686 dos recursos especiais repetitivos, in verbis: “O chamamento ao processo da União com base no art. 77, III, do CPC, nas demandas propostas contra os demais entes federativos responsáveis para o fornecimento de medicamentos ou prestação de serviços de saúde, não é impositivo, mostrando-se inadequado opor obstáculo inútil à garantia fundamental do cidadão à saúde”. Desse modo, REJEITO a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Estado de São Paulo. No mais, referente a impugnação ao valor da causa trazida pela Fazenda do Estado, essa também não merece procedência. Isso porque, como bem preconiza o artigo 292, § 2º do Código de Processo Civil/15, “O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações”. Assim, a autora requer a concessão de 32 (trinta e duas) caixas do medicamento para utilizar em seu tratamento, sendo que cada caixa, em média, custa R$ 1.315,00 (hum mil, trezentos e quinze reais), portanto o valor da causa está de acordo com o valor total do tratamento, não sendo possível a modificação do valor da ação para R$ 1.000,00 (hum mil reais) como pleita o requerido. Dessa forma, REJEITO a impugnação do valor da causa trazida pelo requerido. No mérito, a ação é procedente. Senão, vejamos. Na petição inicial, a autora narra que possui diagnóstico de Mieloma Múltiplo e Neoplasias Malignas de Plasmócitos (CID10 – C90), e que é necessário fazer o tratamento da patologia com o medicamento Bortezomibe, que está incluso no novo protocolo Cybord, uma vez que a autora possui intolerância a ao uso do protocolo VAD. Foi solicitado o fornecimento do medicamento junto ao Estado, porém o pedido foi negado (fl. 30), buscando o requerente, assim, as vias judiciais. O fundamento do pedido é o direito fundamental à saúde, previsto constitucionalmente no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. A interpretação do dispositivo e seu espectro de eficácia, deve partir do entendimento de que a Constituição Federal de 1988 é de matriz dirigente. Essa noção de dirigismo constitucional, traz a pretensão de impor ao legislador e ao administrador certos deveres de atuação positiva, com a consequente redução do campo reservado a deliberação política majoritária, conforme lição do português JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, na clássica obra Constituição Dirigente e vinculação ao legislador. A ideia de Constituição dirigente pode, ainda, ser entendida como o bloco de normas constitucionais em que se definem fins e tarefas do Estado, se estabelecem diretivas e estatuem imposições. Pretende-se uma complexa e ambiciosa constitucionalização da política, tendo como núcleo essencial o debate entre as relações do constituinte e do legislador. Essa mesma concepção impõe ao intérprete o dever de utilizar a Constituição como um filtro através do qual todo direito infraconstitucional deve ser lido. Logo, o Estado (e o juiz) devem ser agentes de transformação e promoção de direitos fundamentais, concretizando as normas constitucionais, sobretudo de direitos fundamentais. Nessa linha de ideias, encaminha-se a análise das modalidades de eficácia e do conteúdo material das normas constitucionais. As normas são tradicionalmente divididas entre as de organização do Estado, as definidoras de direitos e as normas programáticas. Aquelas que tipicamente geram direitos subjetivos. Estes direitos subjetivos podem ser agrupados em grandes categorias (direitos individuais; direitos políticos; direitos sociais e direitos difusos). As normas programáticas traçam fins sociais a serem alcançados pela atuação futura dos poderes políticos. Não geram direitos subjetivos na sua versão positiva, mas geram-nos em sua feição negativa. Esta distinção é relevante para análise da eficácia das normas constitucionais. Em clássica lição do Prof. JOSÉ AFONSO DA SILVA, as normas possuem eficácia plena e aplicabilidade imediata; eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passível de restrição; e eficácia limitada ou reduzida, que compreendem as normas definidoras de princípios institutivo e as definidoras de princípio programático, em geral dependentes de integração infraconstitucional para operarem a plenitude de efeitos. Interessa ao ponto esta última. As normas de eficácia limitada, segundo o Min. LUIS ROBERTO BARROSO, não receberam normatividade suficiente para sua aplicação, cabendo ao legislador ordinário completar a regulamentação. Nada obsta que estas possam produzir efeitos, sendo capazes de revogar normas infraconstitucionais contrárias ou incompatíveis, servem de parâmetro para declaração de inconstitucionalidade, além de fornecerem conteúdo material para a interpretação das demais normas que compõem o sistema constitucional. Ainda segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, as normas programáticas tem eficácia jurídica imediata, direta e vinculante, quando: a) estabelecerem um dever ao legislador; b) condicionar a legislação futura, com a consequente declaração de inconstitucionalidade quando incompatíveis; c) informa a concepção de Estado e da sociedade, mediante a atribuição de fins sociais, proteção de valores de justiça social e revelação dos componentes do bem comum; d) constituem sentido teleológico para a interpretação; e) condicionam a atividade discricionária da Administração Pública e do Poder Judiciário; e f) criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem. Importante destacar, contudo, que essa classificação recebeu críticas. Sendo uma das mais consistentes apresentada por LUIS VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA, para quem há impropriedade na referência a normas de eficácia plena, ao menos no campo dos direitos fundamentais, porque não há direitos absolutos. Para este autor, todos os direitos estão sujeitos a restrição, sejam em decorrência da atuação do legislador, seja em virtude do resultado de sopesamentos realizado pelo intérprete. Ademais, todos os direitos são restringíveis. Por fim, todas as normas possuem eficácia limitada. Debate-se ainda se os direitos fundamentais são capazes de criar direitos subjetivos, sobretudo aqueles instituídos por normas de eficácia limitada. Tradicionalmente tem-se entendido pela possibilidade, havendo divergência apenas no que concerne aos direitos sociais. Nas palavras do Prof. JOSÉ AFONSO DA SILVA, direitos sociais “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade”. São direitos de segunda geração/dimensão. Diferentemente dos direitos civis e políticos, cujo objetivo era preservar determinados bens ou valores reputados naturais, inalienáveis e universais (vida, liberdade e propriedade), os direitos sociais são concebidos como instrumentos destinados à efetiva redução ou supressão de desigualdades. Como os direitos sociais demandam medidas redutoras de desigualdades e essas medidas dependem quase que exclusivamente de investimentos estatais, o maior problema para a sua efetivação reside mesmo é na escassez de recursos para viabilizá-los o chamado limite do financeiramente possível. Necessário é reconhecer que a efetivação desses direitos não depende somente da vontade dos juristas, porque está substancialmente ligada a fatores de ordem material, de todo alheios à normatividade jurídica. Nesse contexto, torna-se extremamente complexa a interpretação/aplicação das normas definidoras dos direitos sociais, na medida em que, de um lado, os seus operadores, independentemente de sentimentos de ordem pessoal, são obrigados a emprestar-lhes a máxima efetividade e, de outro, devem observar, também, outros cânones hermenêuticos de igual hierarquia, como os princípios da unidade da Constituição, da proporcionalidade, razoabilidade e, principalmente, o modelo de separação dos Poderes. São direitos, portanto, que clamam, para sua efetivação, a atuação conjunta de todos os órgãos estatais em uma nova visão do princípio da Separação de Poderes. A propósito, o argumento de que as normas programáticas possuiriam valor jurídico constitucional idêntico às outras normas constitucionais vem sendo revisto pelo próprio Professor JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, na releitura da clássica obra Constituição Dirigente e vinculação ao legislador, desde o advento da 2ª edição do livro. Para ele, o direito de forma solitária, não teria capacidade para resguardar sozinho, ainda que de forma autoritária, desconsiderando quaisquer outras áreas, como a política. Teria a Constituição que acompanhar os novos paradigmas políticos organizatórios, enquadrando-se a novos modelos normativos. Trata-se de um modelo de constitucionalismo moralmente reflexivo. Em suma, a Constituição dirigente estaria morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si, operar transformações emancipatórias. Nada obstante a realidade constitucional brasileira ainda exigir que as normas programáticas sejam um mecanismo de inovação e de implementação de políticas sociais, não se pode perder de vista que esta conquista deve ser cadenciada e refletida. A teoria da vedação ao retrocesso constitucional justifica essa característica. Os avanços são graduais. A concessão de medicamentos pela via judicial nos casos de flagrante negligência sistêmica é um desses avanços na concretização do direito à saúde. A implementação de direitos sociais encontra limites em insuficiências materiais. As demandas são infinitas e os recursos são finitos. Não se pode ignorar que a determinação desmedida de concessão de direitos a todos os indivíduos pode gerar o caos e impossibilitar a concretização de outros direitos. A implementação de direitos sociais requer, de forma direta ou indireta, significativa alocação de recursos materiais e humanos. Especificamente quanto aos direitos sociais, como o direito à saúde, o custo especialmente oneroso e a escassez de recursos orçamentários dificultam a concretização em níveis desejáveis e impõem, conforme GUIDO CALABRESI e PHILIP BOBBIT, ‘escolhas trágicas’, por cada decisão alocativa de recursos envolver, implicitamente, uma dimensão desalocativa, como propõe DANIEL SARMENTO. Em sistemas democráticos, como disciplina MARCELO NOVELINO, a consagração de parte dos direitos sociais se dá em normas de textura aberta ou de caráter principiológico, a fim de possibilitar diferentes níveis de concretização. Não se nega que é possível compreender os direitos sociais dentro do espectro de direitos subjetivos do indivíduo, o problema está nos limites a serem observados pelo Poder Judiciário em sua implementação. Pois bem. Estabelecendo os limites a serem observados pelo Poder Judiciário nas demandas que versem sobre a concessão de medicamentos, o direito discutido nos autos, qual seja, o fornecimento de medicamentos não padronizados nos Programas de Assistência Farmacêutica do Sistema Único de Saúde, foi enfrentado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento de recurso repetitivo (Recurso Especial n° 1.657.156/RJ, Tema nº 106), ocasião que foram fixados os seguintes requisitos cumulativos, em breve síntese: (1) laudo médico, discriminando a necessidade do medicamento, (2) incapacidade financeira e (3) existência de registro na ANVISA do medicamento. Senão, vejamos: […] TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. 5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art.1.036 do CPC/2015 (STJ, Primeira Seção, Rel.: Ministro Benedito Gonçalves, j. em 25/04/2018) No julgamento dos Embargos de Declaração (acórdão publicado no DJe de 21/09/2018), houve modulação dos efeitos da decisão nos seguintes moldes: “Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018”. O julgamento dos Embargos de Declaração também provocou a redefinição do item 3 da tese editada no Tema nº 106, que passou a contar com a seguinte redação, in verbis: “(iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência”. Convém registrar que, em complementação à decisão do E. STJ, o Excelso Supremo Tribunal Federal, debruçando-se sobre o dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo, no julgamento do RE nº 657.718 , Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22/05/2019, fixou a seguinte tese no Tema nº 500 da Repercussão Geral, ipsis litteris: 1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: I a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras; II a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; III a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União. Pois bem. No caso vertente, a parte autora juntou às fls. 27/29 e 63/66 relatório médico que noticia seu quadro clínico, atestando que para um melhor tratamento de sua doença, o medicamento Bortezomibe é que traz mais eficácia, uma vez que o tratamento padrão VAD oferecido pelo SUS não produzia o resultado adequado na requerente. Ademais, em estudo social feito para verificar a real capacidade financeira da requerente fora constatado que “Dona Elza não mantém vínculo formal de trabalho, estando aposentada, por conseguinte, sobrevive com o valor de um salário mínimo de aposentadoria e seu marido recebe também uma salário mínimo de aposentadoria.” (fl. 216). De fato, verifica-se que atribuir o custeio de tal tratamento à requerente extrapolaria as suas capacidades financeiras e também não lhe traria condições dignas para enfrentar tal doença, uma vez que o tratamento oferecido pelo SUS não lhe estava trazendo eficácia. Por fim, nas fls. 33/34 consta registro do medicamento na ANVISA, portanto não há que se falar em medicamento sem cobertura por falta de regulamentação. A propósito, ausente qualificação técnica para tanto, nem a requerente, tampouco o douto procurador, e nem mesmo este Juízo, são senhores para determinar qual o medicamento adequado para o tratamento. Ora, compete ao médico, profissional que detém graduação em medicina e possui expertise sobre o tema definir – e redefinir – à luz do caso concreto qual o remédio que, naquele momento, se mostra adequado para o tratamento do paciente. Inclusive, justamente por isso o primeiro requisito exigido pelo E. STJ na tese fixada no Tema nº 106 dos dos recursos especiais repetitivos é a existência de laudo médico, subscrito pelo profissional competente, que indique a necessidade imperiosa do medicamento solicitado em Juízo. A assistência à saúde está atrelada a um tratamento que dê efetividade para, pelo menos, amenizar as consequências de uma doença, sendo que diversos tratamentos poderão ser tomados, visto que podem ocorrer diversos fatores que são estranhos aos médicos. Por isso, não há como saber se tal tratamento funcionará, estando o médico atrelado a medidas alternativas para garantir uma qualidade de vida para a paciente. De tal modo, devido as alterações sofridas no quadro clínico da requerente, imperioso é continuar o tratamento com a medicação prescrita, mesmo que não esteja nas diretrizes de atendimento do Sistema Único de Saúde, buscando assim, um tratamento que seja melhor eficaz para a doença, com plena cobertura dos fármacos receitados. Deveras, conforme laudo apresentado às fls. 148/149 a requerente vem apresentando uma boa evolução clínica após o tratamento com tais medicamentos. Por conseguinte, com fulcro no direito fundamental à saúde, é de rigor a procedência da ação, com a concessão, em favor da requerente, do medicamento necessário, consoante laudo médico, para o seu efetivo tratamento – in casu, o medicamento Bortezomibe (prescrição médica às fls. 27/29). Cumpre registrar que tal obrigação ficará a encargo do Estado de São Paulo, uma vez que houve pedido de desistência da ação em relação à Fazenda Pública de Gália, conforme fls. 246/248. Mais, creio, não é necessário acrescentar. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na inicial para DETERMINAR que a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO forneça o medicamento Bortezomibe à requerente,na quantia de 32 (trinta e dois) frascos, como determinado no receituário, o que faço com resolução de mérito, com fulcro no artigo 487, I do Código de Processo Civil/15. HOMOLOGO a desistência da ação e, consequentemente, JULGO EXTINTO o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, VIII, do Código de Processo Civil/15, em relação à FAZENDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE GÁLIA. TORNO DEFINITIVA a liminar concedida às fls. 67/69. CONDENO o ESTADO DE SÃO PAULO ao pagamento das custas, bem como a pagar ao advogado do autor honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo “a quo” (art. 1.010, CPC/2015), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária, na pessoa de seu advogado, para oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias, procedendo-se da mesma forma em caso de recurso adesivo. Por fim, de modo a evitar o oferecimento indevido de embargos de declaração, registre-se que ficam prejudicadas as demais alegações apresentadas pelas partes, por incompatíveis com a linha de raciocínio adotada neste julgamento, observando ainda que o pedido foi apreciado e rejeitado nos limites em que foi formulado. Por corolário, ficam as partes advertidas, desde logo, que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com postulação meramente infringente lhes sujeitará a imposição da multa prevista pelo artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil/15. Dispensado o registro, nos termos do Provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo nº 27, de 31 de maio de 2016. Por fim, com a concordância do pedido de desistência da ação por parte do Município de Gália à fl. 253, providencie a z.serventia a exclusão da parte no polo passivo da ação, ANOTANDO-SE. Certificado o trânsito em julgado e observadas as formalidades legais, ARQUIVEM-SE os autos definitivamente, com baixa nos registros do SAJ/PG. Galia, 06 de dezembro de 2021. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA
