TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA de Guarujá Foro de Guarujá Vara da Fazenda Pública Rua Azuil Loureiro, 691, Guaruja – SP – cep 11430-110 Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min 1003314-15.2021.8.26.0223 – lauda SENTENÇA Processo Digital nº: 1003314-15.2021.8.26.0223 Classe – Assunto Procedimento Comum Cível – Padronizado Requerente: Julio Cesar da Silva Requerido: PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARUJÁ e outro Tramitação prioritária Justiça Gratuita Juiz(a) de Direito: Dr(a). Patrícia Naha VISTOS. JULIO CÉSAR DA SILVA ajuizou ação em face de ESTADO DE SÃO PAULO e MUNICÍPIO DE GUARUJÁ, visando a compelir a parte ré ao fornecimento do medicamento AZATIOPRINA 50MG, para tratamento da doença do autor, que foi diagnosticado em 2017 como portador da Síndrome de Behçet (CID 10 M35.2). Diante disso, alegou a imprescindibilidade do fármaco para seu tratamento, aduzindo sua insuficiência financeira para aquisição do medicamento, que é de alto custo. Requereu a tutela de urgência e a gratuidade de justiça. Em emenda à inicial a fls. 262/265, foi noticiado que, em razão do agravamento de sua doença, em decorrência da falta de tratamento, o autor apresentou crise epilética, estando atualmente em coma induzido, mediante ventilação mecânica. Ao autor, foi concedido o benefício da justiça gratuita, bem como a tutela de urgência (fls. 268/269). A corré FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO contestou, alegando que o medicamento não se encontra na lista do SUS, acrescentando a ausência de comprovação da indispensabilidade do tratamento e da incapacidade financeira do autor de arcar com seus custos (fls. 279/283). O corréu MUNICÍPIO DO GUARUJÁ apresentou contestação, aduzindo preliminarmente ilegitimidade passiva. No mérito, sustentou a falta dos requisitos cumulativos estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça para determinação do fornecimento de medicamento fora da lista do SUS. Ainda, aduziu violação ao princípio da igualdade em razão da substituição da terapia oficialmente disponibilizada pela rede pública (fls. 284/305). Veio réplica (fls. 308/322). Apesar de instadas a fls. 323, as partes não apresentaram interesse na produção de outras provas (fls. 329/330). As partes apresentaram memoriais a fls. 336, 337/350 e 354/356. É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO. Preliminarmente, não há falar em ilegitimidade passiva do MUNICÍPIO. É certo o dever do Estado de assegurar o direito à saúde e à vida de seus cidadãos. Deve por isso, fornecer o tratamento adequado às pessoas em necessidade, conforme positivado nos arts. 5º, caput, 6º, caput, e 196, da Constituição Federal, de aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º, da CF/1988), cabendo aos entes do Poder Público, solidariamente, o seu fornecimento, diante da responsabilidade concorrente dos entes federativos, nos termos do art. 23, II, da CF/1988, sendo lícito ao cidadão exigir de qualquer um deles o implemento de seu dever constitucional. A jurisprudência é pacífica nesse sentido, nos termos da Súmula 37 deste E. TJSP: Súmula 37 (TJSP): “A ação para o fornecimento de medicamentos e afins pode ser proposta em face de qualquer pessoa jurídica de Direito Público Interno”. Assim, afasta-se a preliminar de ilegitimidade passiva do Município, diante de sua responsabilidade concorrente, o que o faz solidariamente responsável no fornecimento de medicamentos e insumos necessários ao paciente submetido ao Sistema Único de Saúde – SUS, sem afastar a possibilidade de ressarcimento entre os entes federativos, de acordo com suas regras de competência interna, por meio de ação própria. Nesse sentido: “ILEGITIMIDADE PASSIVA. Inocorrência. Obrigação solidária entre os entes federados. Matéria pacificada pela Súmula nº 37 deste Tribunal. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. Inocorrência. Entendimento sedimentado no Tema nº 793 do STF que não retira o direito do cidadão de acionar qualquer um dos entes federados. Ressarcimento do ente público que suportar a condenação que deve ocorrer na via administrativa ou em ação de regresso, mediante comprovação das repartições de competência. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. Impetrante portadora de neoplasia maligna (CID 10 e C014.8, estágio clínico IVC), que necessita do medicamento “Nivolumabe”. Medicamento não padronizado pelo SUS. Possibilidade. Requisitos estabelecidos no REsp nº 1.657.156 (Tema 106 do STJ). Atendimento. Relatório médico apontando a inexistência de medicamento substituto disponível no SUS, bem como a imprescindibilidade da medicação. Documentos médicos suficientes. Indisponibilidade do direito à saúde. Art. 196 da Constituição Federal, norma de eficácia imediata. Tutela jurisdicional que não interfere na discricionariedade da Administração Pública. Garantia do fornecimento do medicamento que não empresta, em absoluto, caráter de imposição do Judiciário ao Executivo, mas envolve, sim, o cumprimento exato dos preceitos constitucionais e o disposto na Lei n. 8.080/90. Óbices orçamentários. Irrelevância. Política pública que se pressupõe contemplada nas leis orçamentárias. Princípio da Reserva do Possível que não pode se sobrepor aos direitos fundamentais. A saúde constitui direito público subjetivo do cidadão e dever do Estado. Precedentes. Sentença mantida. MULTA DIÁRIA. Multa diária contra ente público. Possibilidade. Medida que objetiva o cumprimento da determinação judicial. Multa fixada com razoabilidade. Reexame necessário e recursos voluntários improvidos.” (TJSP, Apelação n. 1001323-58.2020.8.26.0281, Rel. Claudio Augusto Pedrassi, 2ª Câmara de Direito Público, j. 24/08/2020, DJe 24/08/2020). No mérito, o pedido é procedente. No que tange à discussão em torno do fornecimento pela rede pública de medicamento não fornecido pelo Sistema Único de Saúde, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial n.º 1.657.156/RJ, submetido à sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema 106), fixou a tese de que a concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS fica condicionada ao atendimento de três requisitos cumulativos: (1) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado, expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (2) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e, por fim, (3) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. Na mesma esteira, destaca-se o julgamento dos EDcl no REsp nº 1.657.156/RJ para modulação dos efeitos do repetitivo para que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 04/05/2018. Confira-se: “A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018.” (EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 12/09/2018, DJe 21/09/2018). Assim, considerando que a presente ação foi distribuída em 01/04/2021, aplica-se a obrigatoriedade dos requisitos supracitados em sua forma cumulativa. No caso, ficou demonstrado pelo relatório médico de fls. 26 que o autor é portador da Síndrome de Behçet (CID M352), sendo prescrito o medicamento imunossupressor para o tratamento da doença, após o uso de corticoides em doses altas, anticoagulantes, estatina, dentre outros medicamentos para alívio dos sintomas do autor, tendo em vista se tratar de doença autoimune, que se manifestou no autor mediante aftas orais e genitais maiores do que 0,5 centímetros, presentes durante o ano todo, crises convulsivas e AVC, sendo o imunossupressor AZATIOPRINA iniciado no final de 2018, destacando o profissional médico que o medicamento deverá ser mantido sem data para interrupção. Nesse passo, tendo em vista o minucioso relatório médico, descrevendo o quadro de saúde do autor, bem como a progressão da doença, ocasionando a alteração do medicamento, conclui-se pela imprescindibilidade do fármaco. Na mesma esteira, não pende discussão quanto ao registro na ANVISA do medicamento (registro nº 1103901070013, conforme consta do endereço eletrônico da ANVISA), que apenas não foi incorporado na lista do SUS. Tampouco há falar em violação ao princípio da igualdade, uma vez que a Constituição Federal dispõe acerca da universalidade do direito à saúde, não constituindo privilégio ou atendimento individualizado a concretização desse direito salvaguardado na Constituição Federal. Por fim, quanto à incapacidade financeira do autor, insta salientar que, embora o demandante seja médico veterinário (fls. 23/24), profissional autônomo, se encontra atualmente em coma induzido, mediante ventilação mecânica e sem previsão de alta médica, conforme consta do relatório médico a fls. 266, o que demonstra sua absoluta impossibilidade de exercício de atividade remunerada e, por consequência, sua incapacidade financeira de arcar com os custos do medicamento sem prejuízo de seu sustento. A par disso, presentes os requisitos previstos no recurso especial, submetido ao regime dos recursos repetitivos (Tema 106), é caso de acolhimento do pedido inicial para compelir a parte ré, solidariamente, ao fornecimento do medicamento descrito na inicial, destacando-se apenas a não vinculação do medicamento a marca, desde que preserve as características e funcionalidades que atendam às necessidades do autor, conforme as prescrições do profissional da saúde responsável por seu acompanhamento, mostrando-se possível, nessa esteira, o fornecimento, pela parte ré, de medicamento genérico ou similar com o mesmo princípio ativo, uma vez que os órgãos públicos não devem ser constrangidos, sem justificativa, a adquirir medicamentos de uma determinada marca, por custo mais oneroso, na hipótese de existência de fármaco similar com preço inferior, possibilitando o atendimento de maior número de pacientes. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, extinguindo o processo com a resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar a parte ré, solidariamente, ao fornecimento do medicamento AZATIOPRINA 50MG, de uso contínuo, ao autor, durante o período necessário ao tratamento, na dosagem e em conformidade com as recomendações da prescrição médica, sem preferência por marca, com possibilidade de fornecimento de genérico ou similar, desde que apresente o mesmo princípio ativo, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 por descumprimento, tornando definitiva a tutela de urgência deferida a fls. 268/269. Caberá ao autor, ou a seu representante, a apresentação, diretamente no órgão administrativo responsável, de prescrição médica específica e atualizada, a cada 06 (seis) meses, sob pena de interrupção no fornecimento mensal do medicamento. Sem custas, nos termos do art. 6º da Lei 11.608/2003. Arcará a parte ré com os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, cabendo a cada corréu arcar com metade do referido percentual. Ao reexame necessário. P. I. C. Guaruja, 18 de outubro de 2021. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA
|