Inconstitucionalidade da contribuição pecuniária para custeio de assistência médica, odontológica e hospitalar, sendo os valores destinados à Associação Cruz Azul de São Paulo

Classe: Procedimento Comum Cível
Assunto: Assistência à Saúde
Magistrado: Cândido Alexandre Munhóz Pérez
Comarca: Guarujá
Foro: Foro de Guarujá
Vara: Vara da Fazenda Pública
Data de Disponibilização: 15/12/2021
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA de Guarujá Foro de Guarujá Vara da Fazenda Pública Rua Azuil Loureiro, 691, . – Vila Santa Rosa CEP: 11430-110 – Guaruja – SP Telefone: (13) 3355-9198 – E-mail: [email protected] 1011502-94.2021.8.26.0223 – lauda SENTENÇA Processo nº: 1011502-94.2021.8.26.0223 Classe – Assunto Procedimento Comum Cível – Assistência à Saúde Requerente: Thiago Bezerra da Rocha Branco Requerido: CAIXA BENEFICENTE DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO – CBPM Juiz(a) de Direito: Dr(a). Cândido Alexandre Munhóz Pérez Vistos. Cuida-se de ação de rito comum, proposta por Thiago Bezerra da Rocha Branco em face de CAIXA BENEFICENTE DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO – CBPM. Em síntese, afirmou o autor que é policial militar e que, como tal, compelido a pagar, mensalmente, mediante desconto em folha, Inconstitucionalidade da contribuição pecuniária para custeio de assistência médica, odontológica e hospitalar, sendo os valores destinados à Associação Cruz Azul de São Paulo, tudo nos termos da Lei Estadual 452/74. Sustentou, porém, que tal contribuição não mais subsiste, diante das disposições da Constituição Federal de 1988, notadamente por conta do princípio constitucional da liberdade de associação. Amparado em tais argumentos, postulou a dispensa do pagamento da contribuição e a devolução dos valores pagos e não atingidos pela prescrição, com os acréscimos decorrentes da mora. Pediu, ainda, tutela de urgência, com as consequências de estilo. Admitida a ação, a requerida foi citada e respondeu. Formulou, inicialmente, proposta de acordo. Sustentou, na sequencia, a legalidade da contribuição, e afirmou que, em caso de procedência, a restituição das contribuições deve abranger somente as posteriores à citação, e não as anteriores. Réplica apresentada. Ordenada a especificação de provas, não se interessaram por outras os litigantes. Este é o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. O feito já se encontra bem instruído, não havendo necessidade de se produzir provas adicionais, nem interesse dos litigantes, pelo que se conhece diretamente das pretensões. A controvérsia reside na validade da contribuição compulsória instituída pela Lei Estadual 452/74, para custeio de serviços de saúde oferecidos a policiais militares no Estado de São Paulo. O autor questionou essa contribuição, amparando-se, essencialmente, na inconstitucionalidade da exação, bem como do princípio da liberdade de associação. A requerida, por sua vez, sustentou tese oposta. Conforme se extrai do art. 149, caput, da Constituição Federal, é de competência exclusiva da União a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas. O § 1º primeiro do referido dispositivo constitucional, por seu turno, autoriza os Estados-membros e Municípios, excepcionalmente, a instituírem contribuições, porém com a finalidade específica de custear seus regimes previdenciários. Esta última disposição constitucional, portanto, vincula a contribuição a ser eventualmente instituída pelos outros entes federados, atrelando-a, repita-se, ao custeio do regime previdenciário do ente instituidor. Não há, pelo teor do mesmo dispositivo, possibilidade de ser instituída, pelo ente, contribuição para outro fim. Do cotejo entre as normas constitucionais e legais acima referidas, pode-se concluir, sem margem para maiores questionamentos, pela não recepção, por parte da Constituição Federal de 1988, da Lei Estadual 452/74. Esta, com a atual Carta Política, perdeu seu fundamento de validade, pois a contribuição em tela, como adiantado, foi instituída e é cobrada compulsoriamente para o custeio de serviços de saúde e odontológicos prestados pela requerida, conforme esclarece, aliás, de forma expressa, sua norma instituidora. E, por desdobramento, não subsiste também o art. 32 da Lei Estadual 452/74, que define os contribuintes “obrigatórios” da entidade. Vale salientar que essa inconstitucionalidade vem sendo reconhecida, sistematicamente, pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, que tem isentado os policiais do pagamento da exação. Confira-se, dentre outros, o seguinte julgado: “Contribuição Cruz Azul. Contribuição compulsória descontada pela CBPM-SP. Financiamento do sistema de assistência médica e odontológica. Inadmissibilidade. Disponibilidade do uso do serviço que não gera obrigatoriedade ao seu custeio. Artigos 30 e 32 da Lei Estadual nº 452/74 não recepcionados pela Constituição Federal (artigo 149, § 1º) declarado incidentalmente inconstitucional pelo C. Órgão Especial”. De outra banda, não fosse suficiente a circunstância acima indicada, tem-se que outra existiria a, da mesma forma, dar guarida à pretensão autoral. É que, como se depreende do art. 30, caput, da norma estadual, a execução dos serviços de saúde e odontológicos da requerida é realizada pela entidade Cruz Azul de São Paulo, com base em convênio celebrado com a mesma. Ao passo que, por se tratar, a Cruz Azul, de entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, a compulsoriedade da vinculação à mesma colide, também, com o princípio constitucional da liberdade de associação. Tal princípio, previsto no art. 5º, XX, da Carta Magna, estabelece que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”, e, segundo a doutrina, garante a liberdade de escolha dos associados. Estes poderão ingressar e deixar as associações livremente, sem que o Poder Público possa interferir nessa opção. Por isso, também com base nesse segundo aspecto, a jurisprudência tem se posicionado no sentido do cabimento da pretensão autoral. Destaque-se: “Policial militar. Assistência médico-hospitalar e odontológica. Contribuição para assistência médico-hospitalar. Associação Cruz Azul. Inviabilidade da cobrança compulsória. Afronta aos arts. 5º, XX e 149, § 1º ambos da CF. Precedentes do C. STF, Órgão Especial desta Corte e Câmara”. Por todas essas razões, portanto, fora de dúvida que a pretensão prospera na essência, restando a análise das questões da devolução dos valores pagos e das condições em que deverá se dar. Nesse passo, vê-se que a parte ativa postulou, como se extrai claramente da exordial, a devolução de todos os valores pagos cuja cobrança não tenha sido atingida pela prescrição (págs. 19-20). Pediu, ainda, a aplicação de encargos moratórios sobre os principais. Todavia, em que pese seu esforço, não se justifica a devolução nessa extensão, uma vez que os pagamentos não foram indevidos, sendo ilícita somente a sua compulsoriedade. Em outras palavras: caso o associado opte por permanecer, pagando para ter os serviços médicos e odontológicos à suas disposição, poderá fazê-lo. E, in casu, a parte ativa tacitamente fez essa opção, somente tendo manifestado sua vontade de ser excluída quando da propositura da demanda. A cessação dos pagamentos, assim, deverá ter como marco inicial a citação. Por fim, quanto aos montantes a serem restituídos, tem-se que sobre os principais deverão incidir correção monetária e juros de mora, desde cada desembolso. A correção monetária não representa um plus, um acréscimo, servindo simplesmente para recompor o poder de compra da moeda diante dos efeitos da inflação; quanto aos juros moratórios, servem para compensar o retardamento no cumprimento da obrigação. Conforme decisão proferida pelo C. Supremo Tribunal Federal no RE 870794/SE, tratando-se de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta da poupança é constitucional, permanecendo em vigor, portanto, o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação conferida pela Lei 11.960/09; já no que pertine à correção monetária, decidiu-se no mesmo julgado que devem ser aplicados “autênticos índices de preços”, que reflitam concretamente a inflação. De rigor, pois, a incidência da chamada Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, representativa de tal fenômeno. Ante o exposto, e pelo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido nesta ação, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil. Determino a cessação dos descontos referentes à contribuição compulsória em favor da Associação Cruz Azul de São Paulo, a partir da citação, e condeno a requerida a restituir à parte ativa os valores descontados, se o caso, acrescidos de correção monetária e de juros de mora, nos termos da fundamentação, a partir de cada desembolso. Em razão da sucumbência mínima da parte autora, arcará a vencida com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa (art. 85, § 4º, III, CPC). P. R. I. Guaruja, 15 de dezembro de 2021. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA 

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