DAS QUESTÕES ENVOLVENDO O SIGILO FISCAL E O FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES DO CADASTRO IMOBILIÁRIO

 

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIÃO DAS AMÉRICAS – FOZ DO IGUAÇU

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PÚBLICO 

 

DAS QUESTÕES ENVOLVENDO O SIGILO FISCAL E O FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES DO CADASTRO IMOBILIÁRIO

 

TONY LUIZ RAMOS

Procurador Municipal

 

Foz do Iguaçu, PR

2020

 

Resumo

 

O presente trabalho tem como objetivo analisar as questões legais afetas à extensão que se pode atribuir ao sigilo fiscal e da amplitude que se deva atribuir ao entendimento dessa garantia, em especial com relação às informações meramente cadastrais, como, por exemplo, as que digam respeito ao cadastro imobiliário mantido pelos municípios.

 

Abstract

 

This article has the purpose to analyze the legal issues related to the extent that can be attributed to fiscal secrecy and how wide should be the understanding of this guarantee, especially when it comes to cadastral information such as those concerning to the real estate registry maintained by the municipalities.

 

DAS QUESTÕES ENVOLVENDO O SIGILO FISCAL E O FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES DO CADASTRO IMOBILIÁRIO

 

I – INTRODUÇÃO

 

Uma dúvida recorrente de setores tributários pelo país refere-se ao fornecimento de informações sobre o cadastro imobiliário para fins diversos geralmente em atendimento de solicitações de profissionais liberais (contadores, corretores de imóveis, economistas, etc.).

 

Há correntes divergentes sobre a possibilidade ou não de ser fornecer as informações constantes dos cadastros imobiliários municipais para acesso e consulta pública, seja através de requisição de informações diretamente na repartição, seja através da Rede Mundial de Computadores. 

 

Haveria ofensa aos princípios constitucionais que regem a matéria a divulgação irrestrita dos dados e informações constantes dos registros concernentes à propriedade constantes dos setores de tributação municipal a fim de guarnecer atividades de cobrança de IPTU e planejamento urbano? 

 

Existiria uma classificação de informações entre graus e ordens de especificidade, a qual pudesse fazer diferenciação entre as informações que poderiam ser fornecidas e entre as que teriam resguardada legalmente a característica do sigilo e, portanto, de natureza inviolável?

 

II – DO CADASTRO IMOBILIÁRIO

 

O cadastro imobiliário é usado como base não somente para o lançamento dos tributos imobiliários, com especial utilidade para o IPTU, como também é uma importante fonte de informação para análises diversas como, por exemplo, formar estatística e dimensionamento quanto ao desenvolvimento urbano e ambiental da cidade, a identificação de padrões de uso e ocupação do solo urbano (e rural, dependendo da abrangência) e monitoramento de intervenções urbanas e políticas sociais.

 

III – DA PUBLICIDADE NA CONSTITUIÇÃO

 

A amplitude do princípio da publicidade no sistema constitucional brasileiro vai além das decisões políticas fundamentais tomadas no processo constituinte e sua realização prática. Há que se fazer uma interpretação a partir do Estado Social e Democrático de Direito. Adotar o Brasil a forma republicana de governo é mais que apenas uma alternativa à monarquia. A ideia de república tem um componente de construção histórica, em conjunto com a formação dos conceitos de liberdade, igualdade, cidadania e princípios legitimadores da ação política. 

 

No âmbito internacional a Declaração dos Direitos do Homem traz referência ao direito de observar o emprego da contribuição pública e ao “direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração” (arts. 14, 15 e 19). A Convenção Americana de Direitos Humanos inclui o direito de procurar, receber e difundir informações (art. 13.1). 

 

A Constituição brasileira de 1988 prevê o acesso à informação em três incisos do art. 5º, localizando-o entre os direitos fundamentais: inciso XIV (“é assegurado a todos o acesso à informação”), XXXIII (“todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”) e no inciso LXXII, a prever o habeas data. Além disso, há referência ao acesso a “informações sobre atos de governo” na disciplina da Administração Pública (art. 37, § 3º, II); na exigência de publicidade dos julgamentos e fundamentação das decisões judiciais (art. 93, XI); na garantia da consulta à documentação governamental referente ao patrimônio cultural (art. 216, § 2º); e na referência à “transparência e compartilhamento das informações” como princípio do Sistema Nacional de Cultura (art. 216-A).

 

Nosso ordenamento confere à publicidade status de injunção constitucional ao prever, no art. 37, caput, da Constituição Federal, que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”.

 

Ademais, o direito de acesso às informações dos atos públicos é tido como direito e garantia fundamental individual, nos termos do disposto no art. 5º, inc. XXXIII, da Constituição Federal, in verbis:

 

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;” 

 

IV – DA PUBLICIDADE NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

 

A diretriz dada pela norma nacional, em especial a Lei de Acesso à Informação, é de que a publicidade é a regra, sendo o sigilo exceção determinada por lei. Nas situações que mereçam tratamento diferenciado no manuseio das informações, a fim de preservar a segurança da sociedade e do Estado a Lei nº 12.527/2011, que regula o acesso à informação, prevê em seu art. 24 que a informação “em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade e do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada”. Por sua vez o art. 28, da referida Lei disciplina o seguinte:

 

Art. 28.  A classificação de informação em qualquer grau de sigilo deverá ser formalizada em decisão que conterá, no mínimo, os seguintes elementos: 

 

I – assunto sobre o qual versa a informação; 

 

II – fundamento da classificação, observados os critérios estabelecidos no art. 24; 

 

III – indicação do prazo de sigilo, contado em anos, meses ou dias, ou do evento que defina o seu termo final, conforme limites previstos no art. 24; e 

 

IV – identificação da autoridade que a classificou. 

 

Parágrafo único.  A decisão referida no caput será mantida no mesmo grau de sigilo da informação classificada. 

 

Lê-se também do disposto na Lei nº 12.527/2011:

 

Art. 8º. É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas.

[…]

“§ 2º Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).

 

V – DO SIGILO NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

 

Pois bem, a respeito do tema a seguinte é a disciplina do Código Tributário Nacional:

 

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. 

1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;             (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.               

2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.

3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:

I – representações fiscais para fins penais;

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;

III – parcelamento ou moratória.    

.

 

Observa-se que o sigilo fiscal contemplado no caput do art. 198 do Código Tributário Nacional somente diz respeito à “situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”. Informações puramente cadastrais, que descrevam a inserção do indivíduo no plano social (como, por exemplo, dados sobre filiação e endereço dos sócios de uma sociedade empresária) não estariam acobertadas pelo sigilo fiscal. É perfeitamente factível que a lei indique as informações que não são alcançadas pela garantia do sigilo, como é o caso do art. 198 do Código Tributário Nacional. Não é demais lembrar que a própria ratio legislativa é a de afastar a garantia do sigilo nas hipóteses em que não albergue informações da esfera eminentemente privada.

 

VI – DA BATALHA SOBRE A EXTENSÃO DO SIGILO FISCAL

 

Não é de agora que esta batalha sobre a extensão do sigilo vem sendo travada. Na seara bancária os Tribunais de longa data vem considerando que nome, endereço, telefone, RG e CPF ou CNPJ de correntistas bancários não são protegidos pelo sigilo bancário. A proteção dos dados só se refere à movimentação financeira das contas. Na prática, o fornecimento das informações dos correntistas não dependeria de autorização judicial, exceto no que se refira aos extratos bancários. A Polícia e o Ministério Público podem pedir os dados diretamente às instituições, independentemente de ordem judicial, e as empresas não podem negar o seu fornecimento.

 

Importante fazer menção aqui de que, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em seu parecer PGFN/CDA n. 2.152/2007, ao tratar da obtenção e do fornecimento de dados cadastrais, assim dispôs:

 

“(…) 11. Observamos que dados meramente cadastrais não estão resguardados por qualquer espécie de sigilo, visto que são dados costumeiramente fornecidos pelos sujeitos em sua vida social, negocial, quotidiana, v.g.: número do CPF, CNPJ, RG, telefone, agência e conta bancária, nome completo, estado civil, endereço, bens legalmente submetidos a registro público, pessoas jurídicas de que participa, ascendentes, descendentes, etc. Estes dados, por serem fornecidos pelo próprio sujeito espontaneamente e usualmente ou por obrigação legal a registros públicos, não integram a sua esfera da intimidade ou da vida privada, sendo dotados de certo grau de publicidade inerente ao seu uso na sociedade. Basta ver que qualquer folha de talão de cheques contém boa parte deles. (…)”

 

Tais informações, de todo modo, a despeito de não estarem ao sigilo fiscal, estão submetidas ao sigilo funcional, que todo servidor público está vinculado.

 

VII – DA QUESTÃO DA ABRANGÊNCIA DO SIGILO FISCAL SOBRE OS DADOS DOS IMÓVEIS CADASTRADOS

 

A princípio tem-se que dados sobre um imóvel, de per si, não caracterizariam informações de cunho pessoal sobre a natureza e estado de atividades do contribuinte, desde que, obviamente, não informado de quem se trata o proprietário desse imóvel. Portanto, o número da inscrição, informações geodésicas, dimensões, áreas, valor venal, e outros dados similares, fazem parte de informações de domínio público, que podem ser disponibilizadas para consulta geral e, sem dúvidas, têm sim evidente caráter de utilidade pública.

 

Não obstante, quando se trata de fornecer a informação sobre a titularidade do domínio do respectivo imóvel, esbarra-se em informação que deve estar protegida, seja pelo sigilo fiscal, seja pelo resguardo do que a legislação considera como ‘informação pessoal’.

 

É a conclusão que podemos extrair da simples leitura dos seguintes dispositivos da Lei de Acesso à informação (Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011):

 

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

 

IV – informação pessoal: aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável;

 

Art. 6º Cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a:

 

III – proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso.

 

Art. 31. (…)

Regulamento disporá sobre os procedimentos para tratamento de informação pessoal.

 

Notadamente o diploma mencionado teve por escopo fortalecer o caráter de transparência que deve dotar as informações de domínio público, sem contudo descurar do princípio que resguarda a intimidade e a vida privada dos cidadãos.

 

Para um melhor entendimento do alcance desses dispositivos na seara das informações tributárias a regulamentação recente na esfera do Poder Executivo Federal, por meio do Decreto n. 10.046, de 9 de outubro 2019 (dispõe sobre a governança no compartilhamento de dados no âmbito da administração pública federal e institui o Cadastro Base do Cidadão e o Comitê Central de Governança de Dados) traz determinações que interessam ao objeto de nossa análise na definição do que seriam dados disponíveis para consulta:

 

Art. 28.  A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia disponibilizará aos órgãos interessados os seguintes dados não protegidos por sigilo fiscal:

 

I – informações constantes da declaração de operações imobiliárias relativas à existência de bem imóvel, localização do ato registral, números de inscrição e respectivas situações cadastrais no CPF e no CNPJ das partes envolvidas na operação;

 

II – informações constantes da declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural relativas à existência de bem imóvel;

 

Note-se que a regulamentação federal é no sentido de se fornecer dados relativos ao imóvel, ou, como diz textualmente a norma, “à existência do imóvel”, e até mesmo à situação cadastral de seus titulares, mas não faculta em nenhuma hipótese o fornecimento de dados com relação à titularidade da propriedade.

 

VIII – DAS LEIS MUNICIPAIS

 

Apenas para ilustrar como essa ideia está espraiada pelas ordenanças municipais respectivas, trazemos o Decreto nº 17.156, de 13 de agosto de 2019, do município de Belo Horizonte:

 

Art. 2º – São protegidas por sigilo fiscal as informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para fins de arrecadação, fiscalização e cobrança de tributos, dentre essas:

 

1º – Não estão protegidas pelo sigilo fiscal as informações:

 

V – relativas aos dados cadastrais dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário, exceto quanto às informações relativas a sua titularidade.

 

Na capital de São Paulo a matéria foi assim regulada pelo Decreto n. 57.319 de 2016:

 

Art. 2º Em conformidade com o disposto no artigo 198 do Código Tributário Nacional, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública Municipal ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

Art. 3º Excetua-se do disposto no artigo 2º deste decreto a divulgação de informações relativas à:

I – dados constantes do cadastro imobiliário fiscal, em atendimento a solicitação de qualquer pessoa, física ou jurídica;

 

Essa visão, de se facultar acesso aos dados do cadastro, menos ao nome do titular, parece ser o ponto comum de entendimento entre os juristas. Como já destacado em parecer bastante festejado do órgão consultivo do município de São Paulo (Parecer PGM/SP, nº 11.802 de 13 de dezembro de 2017) é aconselhável a manutenção do tratamento cauteloso das informações pessoais, evitando-se o “excesso de transparência”:

 

“Outro problema são os chamados excessos de transparência, verificados em razão do incremento da publicidade de dados pessoais e de seu tratamento por terceiros, inclusive de modo automatizado, que podem levar, com alguma facilidade, à elaboração de um perfil completo a respeito de uma pessoa – a chamada radiografia do indivíduo -, sem seu conhecimento. Isso pode ocorrer tanto em razão da informação privada revelada de modo involuntário e inadvertido por ocasião da utilização da internet, quanto a partir das informações constantes de bases de dados públicas, caso estas estejam indefesas no âmbito do sistema informático público ou sejam oferecida pela própria Administração. (…)

 

No contexto das novas tecnologias, não se pode presumir que o acesso à informação tenha sempre uma finalidade legítima, relacionada aos direitos inerentes à cidadania. Com a possibilidade de tratamento automático de dados por particulares, a baixo custo, é bastante provável que o acesso a uma informação pública não decorra de um interesse em exercer direitos cívicos, mas do propósito de cometer verdadeiros atos ilícitos que afrontam a privacidade e a intimidade. Também não é possível deixar de considerar a situação, frequente nos dias atuais, de que o acesso seja feito por mera curiosidade, muitas vezes dirigida justamente sobre a esfera privada alheia, e não em razão de objetivos mais nobres. Em qualquer dos casos, os desvios associados à difusão de informações têm repercussões muito mais amplas do que aqueles verificados quando usados os meios tradicionais. (…) Existe uma grande diferença entre a informação divulgada de modo indiscriminado, sem limitação alguma de acesso, e a informação oferecida mediante solicitação pontual ou com algum mecanismo de segurança ou controle.”

 

IX – DA PROTEÇÃO E PRIVACIDADE DOS DADOS PESSOAIS NA INTERNET

 

Também é de se levar em consideração a Lei n° 12.965/2014 que estabelece como princípio para uso da internet no Brasil a proteção da privacidade e dos dados pessoais (art. 3° , II e III), assegurando o direito básico dos usuários ao “não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei”. Há julgados que determinam a suspensão de sítios divulgadores de CPF e CNPJ lastreados nestas disposições legais.

 

Finalmente, em decisão monocrática do Supremo Tribunal Federal, em que não se considerou o mérito por tratar-se de questão infraconstitucional, pode-se verificar como os juízos de primeiro e segundo grau vem tratando com rigor a proteção dos dados de sigilo fiscal sobre a titularidade de propriedade nos cadastros imobiliários municipais:

 

Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que não admitiu recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, assim ementado: – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA MANEJADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA – PEDIDO DE ACESSO A PROGRAMAS DE INFORMÁTICA, QUE CONTÉM O CADASTRO FISCAL IMOBILIÁRIO DOS CONTRIBUINTES DO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL APELADO – ALEGADA NECESSIDADE DE IDENTIFICAR OS PROPRIETÁRIOS DOS IMÓVEIS SUSPEITOS DE ABRIGAR LARVAS DO MOSQUITO AEDES AEGYPTI – PEDIDO CORRETAMENTE JULGADO IMPROCEDENTE EM PRIMEIRO GRAU, HAJA VISTA QUE O DEFERIMENTO DO ACESSO PLEITEADO IMPLICA EM VIOLAÇÃO AO SIGILO FISCAL PREVISTO NOS ARTIGOS 14 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE E AFRONTA AO INCISO X, DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – POSSIBILIDADE DE A APELANTE IDENTIFICAR OS PROPRIETÁRIOS DOS IMÓVEIS SUSPEITOS POR OUTROS MEIOS – RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Merece ser mantida a sentença que indeferiu a pretensão da apelante em obter acesso aos programas de informática chamados de “tique” e “nx view”, programas que possibilitam identificar, prontamente, o nome do proprietário ou possuidor de imóveis com possíveis focos e ambientes propícios a proliferação do mosquito aedes aegypit, isto porque eventual deferimento do pedido de acesso a tais programas implicaria em violação ao sigilo fiscal do cadastro imobiliário dos contribuintes previsto no artigo 14, do Código Tributário do Município de Campo Grande, além de afronta a violação a privacidade a que faz menção o inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal. Ademais, a forma mais prudente para a identificação dos proprietários dos imóveis suspeitos de abrigar larvas do mosquito aedes aegypti pode ocorrer por meio de levantamento periódico dos imóveis irregulares, isto por meio de informações solicitadas junto aos três ofícios de serviços de registros de imóveis de Campo Grande, medida que se revela razoável e proporcional ao caso concreto, dada a ausência de violação ao sigilo dos dados do cadastro fiscal imobiliário e a perfeita harmonia com o direito à informação previsto no inciso X, do artigo 128, da Lei Complementar Estadual n. 80/94, lei que disciplina a Defensoria Pública no Estado do Mato Grosso do Sul. O Tribunal de origem acolheu parcialmente os embargos de declaração, sem efeitos modificativos, apenas para esclarecer que a Lei Complementar n. 80/94 é Federal e não Estadual. O recurso extraordinário apresentado pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, aponta violação aos arts. 1º, III, 5º, X e XXXIII, 134 e 196, todas da CF. O recurso não deve ser provido. É que, para dissentir da conclusão adotada pelo acórdão recorrido, faz-se imprescindível a interpretação de normas infraconstitucionais, o que não se admite na via extraordinária. Diante do exposto, com base no art. 932, IV e VIII, c/c o art. 1.042, § 5º, do CPC/2015, e no art. 21, § 1º, do RI/STF, nego provimento ao recurso. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. Publique-se. Brasília, 28 de fevereiro de 2020. Ministro Luís Roberto Barroso Relator (STF – ARE: 1249125 MS – MATO GROSSO DO SUL 0804967-86.2016.8.12.0001, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 28/02/2020, Data de Publicação: DJe-044 04/03/2020)

 

X – O CADASTRO IMOBILIÁRIO TEM NATUREZA PÚBLICA, A NÃO SER QUANTO ÀS INFORMAÇÕES QUE DIGAM RESPEITO À PESSOA 

 

Em toda a legislação, doutrina e julgados que examinamos prevalece a tônica de que o Cadastro Imobiliário do município tem natureza pública, a não ser quanto às informações que digam respeito à pessoa (natural ou jurídica) detentora dos direitos reais sobre os respectivos imóveis.

 

Se, como informa o setor competente, há a possibilidade de se conseguir o nome do contribuinte pela rede mundial mediante o fornecimento do número de inscrição, entendemos deva ser corrigido o sistema de acesso à emissão de guia de recolhimento, fazendo-se exigir, além do número de inscrição imobiliária, também, o número do CPF do contribuinte, ou sua data de nascimento, de forma a assegurar que esses dados não sejam disponibilizados indiscriminadamente.

 

XI – CONCLUSÃO

 

A Administração Tributária tem a faculdade de identificar patrimônio: se assim não fosse o tributo deixaria de ser uma prestação pecuniária compulsória. Inobstante essa faculdade, os dados e informações de pessoas físicas e jurídicas prestados à Administração Pública, em razão da atuação tributária, ou obtidos pelo Fisco por qualquer outro meio, devem servir de instrumento para o exercício das atividades e competências legais do órgão, sendo vedada qualquer atuação que facilite a divulgação das informações fiscais.

 

O fundamento legal do sigilo está inerentemente ligado ao direito constitucional à privacidade. Necessário, contudo, haver liberdade para se obter a privacidade, já que a liberdade é um instrumento garantidor da privacidade. O sigilo existe como uma expressão do direito à liberdade. O homem exerce essa liberdade tanto de forma positiva, como negativa, encontrando-se neste espectro o direito à privacidade. Pode-se tranquilamente estabelecer que a distinção básica entre privacidade e intimidade reside na intensidade da exclusão. A intimidade estaria abarcada pela privacidade. A privacidade representaria assim um âmbito de exclusão em relação à vida pública. Por sua vez a intimidade, além da característica geral da privacidade traria também a exclusão em relação à vida privada.

 

As informações sigilosas são aquelas obtidas em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou terceiros assim como sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. Não há quebra de sigilo de informações fiscais na apresentação de informações genéricas a respeito da situação do contribuinte quando não há exposição específica da pessoa. Constituição dá à Administração Tributária a faculdade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, sob a justificativa de se poder conferir efetividade ao princípio da isonomia.

 

A Constituição Federal garante a todos o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral. Mas tal garantia não se reveste, ipso jure, de caráter absoluto e intangível. Acessar informações, principalmente quando estiverem relacionadas ao poder de polícia da Administração, unicamente deve ser assegurado mediante solicitação devidamente fundamentada, em que o interessado deverá demonstrar seu interesse, pessoal ou coletivo, sem o qual não se tem por juridicamente viável a obtenção dessas informações. 

 

Pessoas totalmente alheias ao fato jurídico tributário não podem intervir no processo administrativo fiscal, a não ser que comprovem depender diretamente dos resultados da atuação tributária como partícipes do processo, seja como mandatários ou sócios do sujeito passivo, ou, então, devidamente autorizado pela parte. 

 

Na seara dos impostos de natureza imobiliária há clara distinção entre informações de ordem objetiva e subjetiva.  As informações de ordem objetiva são as que dizem respeito ao inventário dos bens imóveis e as de ordem subjetiva são as relativas à identificação dos proprietários desses imóveis. A parte objetiva do cadastro imobiliário geralmente utiliza dados provenientes de sensoriamento remoto, mapas, dados e relatórios de campo para descrição espacial das propriedades e identificar sua localização e limites de terrenos e construções no âmbito georeferencial. 

 

 Já a esfera subjetiva do cadastro (com dados a respeito da identificação dos proprietários na cadeia dominial, obtidos em geral por meio de declarações pessoais, levantamentos de campo, documentação fornecida à administração na forma de contratos e escrituras etc.) não goza da mesma publicidade da base objetiva. Não há correlação aqui com a publicidade do Registro de Imóveis, verbi gratia, pois aqui temos a incidência das vedações de ordem tributária.

 

Como consequência de ordem lógico-sistemática os dados de ordem objetiva do Cadastro Imobiliário (inscrição, medidas, localização, coordenadas, valor, etc.) são de natureza pública e sujeitos à divulgação que atenda ao interesse da coletividade, enquanto que os dados de caráter subjetivo, ou seja, os que digam respeito à pessoa titular dos direitos de propriedade sobre o imóvel (nome, endereço, documentos pessoais, data de nascimento, estado civil, etc.), estes são sigilosos, e devem ser preservados pela autoridade tributária em respeito aos princípios constitucionais de preservação de privacidade e intimidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15ª Ed – São Paulo: Saraiva, 2009.  

 

Brasil. Secretaria da Receita Federal do Brasil. Manual de Sigilo Fiscal da Receita Federal, 1ª Ed., Brasília: Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2011.

 

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 2ª Ed – Rio de Janeiro: Forense, 1999.  

 

GAVALDÃO JÚNIOR, J. V. et al. Sigilo fiscal e bancário. 1.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2004.

 

QUEZADO, P; LIMA, R. Sigilo bancário. São Paulo: Dialética, 2002.

 

SILVA, J. A. da S. Curso de direito constitucional positivo. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

 

TEIXEIRA, E. D.; HAEBBERLIN, M. A proteção da privacidade – aplicação na quebra do sigilo bancário e fiscal. 1.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005.

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